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Escrito em 20/12/2018 por Revista Mundo e Missão

A nossa sopa é de plástico

Para salvar o planeta não é suficiente substituir o plástico por outros materiais. É a cultura do consumismo que deve ser superada. Defender o planeta significa mudar o mundo

Imagem Homilias

Você acredita em milagres? Se acredita, entre na fila. Muitas pessoas pensam que podemos continuar assim, limitando-nos a substituir um material por outro. Em agosto, um pedido feito às redes de café Starbucks e Costa Coffe para substituir os copos de plástico pelos de amido de milho viralizou na internet. Os defensores do apelo se esqueceram de perguntar de onde vem o amido de milho, quanta terra é necessária para cultivá-lo e quais as consequências para a produção de alimentos. E eles ignoraram outros aspectos: o cultivo do milho provoca a erosão do solo e muitas vezes requer enormes doses de pesticidas e fertilizantes.

O problema não é o material plástico em si, mas a cultura do descartável, que equivale a perseguir, no que parece ser o único planeta que hospeda seres vivos, um padrão de vida para o qual seriam necessários quatro planetas. É o volume total do que é consumido que sobrecarrega os ecossistemas da terra. 

Não me entenda mal: a disseminação do plástico é um problema enorme para o meio ambiente e as campanhas para limitar seu uso estão corretas, às vezes até com certa eficácia. Mas não podemos resolver a crise ambiental trocando um podemos resolver a crise ambiental trocando um recurso com outro. Quando apresentei o apelo às redes Starbucks e Costa Coffe, elas me perguntaram: “Então, o que devemos utilizar?”. A pergunta correta é: “Como devemos viver?”

Não será um tipo diferente de consumismo que salvará o planeta. Os problemas são estruturais: um sistema político refém de interesses comerciais e um sistema econômico que busca o crescimento perpétuo. É justo dizer que cada um de nós deve reduzir ao mínimo o impacto ambiental que cada qual causa, mas não podemos enfrentar esses sistemas simplesmente assumindo a responsabilidade pelo nosso consumo. O lixo marinho, por exemplo, é causado principalmente pela pesca. Por exemplo, 46% da grande ilha de lixo no Pacífico (a Great Pacific Garbage Patch), um símbolo da nossa sociedade de consumo, são compostos por redes abandonadas, enquanto nos demais 54% da “ilha” predominam outros materiais descartados pelo setor. Quanto aos sacos e às garrafas de plástico, a maioria vem de países pobres, sem instalações eficientes de reciclagens e eliminação.

"Como consumidores, estamos confusos e transtornados, e as multinacionais fazem de tudo para nos manter nesse estado

O problema é que muitas vezes procuramos soluções em lugares errados. Uma conhecida ambientalista publicou uma foto dos camarões que acabara de comprar, gabando-se de ter convencido o supermercado a coloca-los no caixote que havia trazido, e não na sacola plástica, e alegando ter ajudado a proteger os mares. O simples ocupar-se da pesca e do consequente, comércio do camarão, porém, causam muito mais danos à vida marinha do que os sacos plásticos. A pesca dos camarões leva à captura de muitas tartarugas e outras espécies ameaçadas; por outro lado, criá-los é igualmente prejudicial porque destrói grandes extensões de manguezais, que são essenciais para a sobrevivência de milhares de espécies. 

Infelizmente, fala-se muito pouco sobre esses problemas. Como consumidores, estamos confusos e transtornados, e as multinacionais fazem de tudo para nos manter nesse estado. Mas é apenas como cidadãos politicamente ativos que podemos promover mudanças. Então, voltando à questão inicial (como devemos viver?), a resposta é simples: com simplicidade; no entanto, a dificuldade está aí.

No romance O Novo Mundo, de Aldous Huxley, o governo massacra os seguidores de uma vida simples. Hoje não é preciso chegar a tanto: é suficiente abater sua dignidade e marginalizá-los. A ideologia do consumo é tão comum que se tornou invisível. É a sopa de plástico em que nadamos. Viver em um planeta único não significa apenas reduzir o consumo, mas também mobilizar-se contra o aparato que promove a grande montanha de lixo. Significa, portanto, combater as multinacionais, produzir resultados eleitorais diferentes e desafiar esse sistema baseado no crescimento e no consumismo ao qual damos o nome de capitalismo.

O relatório Hothouse Earth (Terra/estufa), sobre o aquecimento global, alertou que corremos o risco de condenar o planeta a um novo clima irreversível: “Se quisermos evitar a superação do ponto sem retorno, devemos promover transformações generalizadas, rápidas e substanciais”. Os copos descartáveis feitos com novos materiais não são uma solução, apenas perpetuam o problema. Defender o planeta significa mudar o mundo. 
 

P. 7, revista Mundo e Missão Dezembro 2018.

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